Todos os anos o governo federal classifica centenas de milhares de informações como sigilosas. Trata-se de um dispositivo criado pela Lei de Acesso à Informação – e que foi importado de legislações da Ditadura Militar – para manter determinadas informações sob segredo por um tempo determinado, que pode ser de cinco anos (classificação reservada), quinze (classificação secreta) ou vinte e cinco anos (classificação ultrassecreta).
Só em 2020 havia mais de 100 mil documentos sob sigilo no governo federal, com foco nas Forças Armadas, especialmente na Marinha.

Esta publicação faz parte do projeto “LAI e FOIA: diálogos transparentes Brasil-EUA“, que busca trocar experiências entre os dois países no uso da legislação de acesso à informação. Realizado pela Fiquem Sabendo com apoio do International Center for Journalists (ICFJ).
Existem três tipos de sigilo de informação: aqueles já previstos em outras legislações (ex: sigilo fiscal e bancário), o de informações pessoais sensíveis (como está no artigo 31 da LAI, como dados pessoais) e aquelas que podem afetar a segurança do Estado ou da sociedade. É sobre este último grupo que são usadas as classificações de informação por um determinado período de tempo.
Só alguns servidores de alto escalão podem classificar um documento, embora no ano passado o vice-presidente Hamilton Mourão tenha tentado, sem sucesso, mudar isso por meio de um decreto.
Os argumentos para que uma informação fique em sigilo, nos termos da LAI, são estes (Art. 23 da LAI):
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
I – pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II – prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III – pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV – oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V – prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
VI – prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII – pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII – comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.
§ 1º Os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes:
I – ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;
II – secreta: 15 (quinze) anos; e
III – reservada: 5 (cinco) anos.
Assim como existe um processo rigoroso de classificação de informações, o governo também a obrigação de desclassificar esses documentos quando o prazo (de cinco, 15 ou 25 anos) expira. E é aí que entra o seu trabalho. Que documentos são esses? Por que eles foram classificados? Havia, de fato, interesse público na classificação daquela informação? De que se tratam esses documentos?
A Fiquem Sabendo foi a responsável pelo primeiro projeto organizado no país a fazer essas perguntas e solicitar, sistematicamente, o acesso a todos os documentos desclassificados do governo federal. Foi o chamado Projeto Sem Sigilo, destaque em uma manchete no UOL no ano passado. Documentos que descobrimos também viraram reportagens que revelaram informações históricas no Brasil.

Para descobrir estes documentos, deve-se seguir um passo-a-passo bastante simples:
1) Descubra quais documentos foram desclassificados. A LAI prevê que todos os órgãos devem divulgar, todos os anos,um rol de informações classificadas e desclassificadas. Isto significa que todo órgão público que classificou ou desclassificou alguma informação precisa divulgar, em seu site, uma lista com os códigos dos documentos. Veja aqui um exemplo. Descubra o rol do órgão que mais te interessa. Isso vale também para Estados e municípios.
2) Assim que tiver a lista em mãos, tente destrinchá-lo e descobrir que informações são divulgadas e aquelas que são do seu interesse. O padrão destes documentos varia. Em alguns casos, são informados dados básicos da informação, como o teor, a data, etc. Em outros, há apenas um extenso código sem nenhuma explicação básica.
3) Registre um pedido de informação, via LAI, com o código de todos os documentos que foram desclassificados. Para isso, é necessário se atentar a aos seguintes fato:
- Alguns órgãos possuem uma quantidade enorme de informações classificadas. É o caso da Marinha e do Exército, por exemplo. Nestes casos, se você pedir acesso a todos os documentos de uma só vez, seu pedido será negado. O ideal é que você escolha um pequeno grupo, de 10, 20 ou 30 documentos, e registre a solicitação.
- Infelizmente alguns órgãos federais entendem que, mesmo expirado o sigilo, eles não precisam abrir nenhuma informação porque elas ainda são protegidas por outros tipos de sigilo. É o caso da Abin e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI-PR), por exemplo. Então não se assuste se você pedir e eles não entregarem nenhum documento, mesmo depois de desclassificado. Mas não custa tentar.

4) Ao fazer o seu pedido, solicite também acesso ao inteiro teor do Termo de Classificação de Informação (TCI), que é o documento que oficializa os motivos que levaram uma informação a ser classificada. Isto pode revelar fatos de extrema relevância, como quem classificou e quando. Foi com este documento que a CNN Brasil mostrou, por exemplo, que o governo Jair Bolsonaro classificou como sigiloso o vídeo de uma reunião ministerial, em 22 de abril, depois de o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ter dado um depoimento à Polícia Federal alegando que tal vídeo continha provas de supostas irregularidades cometidas pelo presidente.
Esta publicação faz parte do projeto “LAI e FOIA: diálogos transparentes Brasil-EUA“, que busca trocar experiências entre os dois países no uso da legislação de acesso à informação.

Assista às entrevistas já produzidas com apoio do ICFJ:
- Governos ficam menos transparentes após grandes crises, diz pesquisador americano
- Transparência economiza dinheiro do cidadão pagador de impostos, afirma especialista americano
- Crimes de ódio: como a ProPublica supriu lacunas nos dados públicos americanos
- Jornalismo de dados “raiz”: entrevista com Lúcio Vaz
- Dados abertos: por uma Lei de Acesso à Informação 2.0, entrevista com Fernanda Campagnucci
- Como as instituições de segurança lidam com a transparência, entrevista Karina Furtado Rodrigues
Acesse os guias que produzimos para o projeto:
- Cinco assuntos de interesse público que você pode acessar com a LAI
- Repositórios de pedidos: veja o que o governo já respondeu via LAI
- Como driblar negativas de acesso com base no “trabalho adicional”
- Pedidos anônimos e como evitar identificação do requerente na LAI
Veja os outros textos que traduzimos:
- O “Terrorista da FOIA” compartilha segredos sobre transparência nos EUA
- Como fazer a FOIA (LAI) trabalhar pra você | Guia
- Repórter da ProPublica fala sobre acesso a e-mails de políticos e servidores
- Requester’s Voice: entrevista com cofundador do MuckRock, Michael Morisy
- Editor do Washington Post: como acessar dados de empresas privadas com a FOIA
- Documentos da CIA revelam que agência monitorava atividades do Partido Comunista do Brasil
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- “Os estados menos corruptos são os mais transparentes” | Entrevista David Cuillier
- Repórter do The Young Turks: o nerd do acesso à informação
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