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Jornalista e diretor de uma das principais organizações focadas no acesso à informação no mundo, o cofundador do MuckRock fala sobre o que aprendeu ao longo de seis anos e 20.000 pedidos de FOIA
Redação e edição: Michael Morisy, MuckRock
Tradução: Juliana Arthuso para a Fiquem Sabendo
Este é o primeiro texto, de uma série, a ser divulgado pela agência Fiquem Sabendo a partir de uma parceria com o International Center for Journalists (ICFJ). O principal objetivo é trazer ao público brasileiro entrevistas e histórias sobre o uso da Freedom of Information Act (FOIA), a Lei de Acesso à Informação americana, os principais desafios enfrentados nos EUA, buscar as intersecções com experiência brasileira e fomentar a discussão de estratégias para garantir o direito de acessar dados públicos no Brasil.
A entrevista traduzida e reproduzida abaixo foi publicada originalmente em inglês na seção "Requester's Voice", projeto de entrevistas do MuckRock, organização americana especializada na FOIA. A publicação em português pela Fiquem Sabendo foi realizada com apoio do International Center for Journalists (ICFJ) - conheça o projeto!
Qual foi sua primeira solicitação via FOIA e como foi? Primeiramente, por que você tentou usar registros públicos?
Eu tentei usar registros públicos na faculdade e foi um fracasso tremendo. Passei cerca de seis horas ao longo de alguns dias apenas pesquisando a lei. Isso foi em Nova York, por isso foi uma solicitação da FOIL (Freedom of Information Law). Finalmente envio minha carta... e nada. Dos meus três primeiros pedidos, todos ao departamento de polícia local, apenas um recebeu uma resposta, e os documentos que recebi não foram úteis.
Isso foi em 2005 ou 2006. Eu não sabia sobre recursos administrativos, não tinha advogado e, por isso, mantive isso em mente - existe esse direito ao acesso de informações públicas, e eu estava tendo um dificuldade em exercer esse direito.
Eu mantive esse pensamento no fundo da minha mente - existia um direito que eu tenho, para acessar informações públicas, e eu estava tendo muita dificuldade para exercitar esse direito.
Em que partes a FOIA se destaca como ferramenta jornalística e em que partes falha?
Eu acho que a FOIA pode ser uma ferramenta incrível para desviar da manipulação. Muito do que vemos nas notícias é manipulado, e uma das coisas que achei incrivelmente frustrante é como jornalistas se tornam insignificantes frente as equipes de relações públicas. Como repórter, muitas vezes você precisa passar por várias e várias pessoas da equipe de relações públicas para ter acesso às entrevistas que deseja e, em seguida, é necessário questionar quão reais são as respostas. E no lado do recebimento, apenas por minha própria experiência pessoal, eu recebia 200, 300 propostas de relações públicas inbound por dia.
A FOIA é uma maneira incrível de sair disso, até certo ponto, já que agora é o repórter que está no controle, e as agências têm uma obrigação legal de responder ou justificar por que não estão respondendo. A FOIA coloca o equilíbrio do poder de volta ao lado da verdade, do interesse público, e eu amo isso.
Mas isso vem com algumas advertências importantes. Só porque você tem documentos não significa que as informações sejam precisas ou que você os entenda completamente. Assim como qualquer outra fonte, os documentos podem conter informações falsas, sofrer alterações ou contar apenas parte da história, mas os materiais brutos e de primeira mão ainda são muito poderosos.
A FOIA coloca o equilíbrio do poder de volta ao lado da verdade, do interesse público, e eu amo isso!
As coisas realmente deixam a desejar, na minha opinião, quanto à lentidão e o quão burocrático o processo se tornou. Se a cobrança de multas de estacionamento ou outro programa público fosse executada tão mal quanto a maioria dos programas de registros públicos, um oficial sairia tão rápido que, se você piscasse, perderia. Mas nos acostumamos com o fato de que registros públicos e assuntos de FOIA levam meses ou até anos, e os tribunais geralmente aceitam e dizem que "é assim mesmo".
Acho que não devemos aceitar que seja "assim mesmo". Penso que em 2016, deveríamos estabelecer um padrão para que as solicitações de registros públicos possam ser atendidas em horas ou minutos. Isso requer começar a pensar em transparência desde o início, quando compramos sistemas de TI governamentais, quando decidimos como armazenar nossos dados públicos. Acredito que é perfeitamente possível de ser feito, mas as agências estão pedindo mais tempo. Onde mais o acesso a dados diminuiu no mundo, exceto nas informações de governos?
Com que frequência a FOIA entra em cena no seu trabalho e em quais contextos?
Todos os dias, obviamente, já que registros públicos e FOIA são essencialmente o motivo pelo qual o MuckRock existe. Mas além do MuckRock, acho os registros públicos incrivelmente úteis, para outras funções jornalísticas que ocupei e também simplesmente para entender melhor como os governos operam em nosso nome.
Existe alguma área específica em que você viu seu trabalho FOIA aumentando?
Uma coisa que não percebemos foi o número de grupos de cidadãos, ativistas e pessoas comuns que usam registros públicos para responder às suas perguntas. Eu acho que aumentou, e acho que a visibilidade aumentou muito. Penso que, como equipes de notícias foram reduzidas localmente em quase todos os lugares, os grupos mais experientes em usar esse tipo de documentação e colocá-la em prática para informar e melhorar suas comunidades levaram a coisas maravilhosas.
Quantos pedidos FOIA você já registrou?
Já registrei 1.242 desde o início do site. Eu tento registrar cerca de 10 pedidos bons por semana, apenas lendo as notícias e tentando descobrir onde o ciclo de notícias deixou cair um problema importante, e tentando descobrir onde FOIA e registros públicos poderiam atendê-lo, mesmo que seja dentro algumas semanas ou meses quando recebo os documentos de volta.
Qual o seu pedido favorito? Como foi a história dele?
Adoro registrar pedidos que são inspirados pelo acaso. Percebi um pequeno adesivo em um caixa eletrônico que dizia: se você tiver uma reclamação sobre esse caixa eletrônico, ligue aqui. Então, registrei uma solicitação e recebi uma lista de reclamações sobre caixas eletrônicos para que você saiba quais evitar.
Mas talvez minha solicitação favorita, que não era particularmente inventiva, foi pelos arquivos do FBI de Richard Feynman. Quase certamente não foi a primeira vez que esses documentos foram liberados, mas acho que foi a primeira vez que eles foram publicados na Web. E eu realmente gostei de lê-los e trabalhar em uma história sobre eles com Robby Hovden, onde pudemos misturar os arquivos que recuperamos com o que já sabíamos, publicamente, e contar uma história que achei realmente interessante.
Mais tarde, trabalhamos com Bradley Campbell para montar um episódio de podcast sobre essa história, que era outra maneira fascinante de explorá-la, além de sua interseção entre ciência, história e segurança nacional.
Que conselho você daria para alguém que vai fazer um registro de FOIA pela primeira vez? O que você diria que os solicitantes com os quais trabalhou poderiam fazer diferente?
Seja específico e coloque-se no lugar do oficial da FOIA ou do responsável pelos registros públicos. Penso que uma das coisas que os solicitantes iniciantes fazem, principalmente se forem repórteres, é presumir que as agências trabalham muito mais do que realmente trabalham. Assim como qualquer outra organização grande, as agências governamentais são muito mais complexas e confusas do que parecem do lado de fora, cheias de pessoas que podem não gostar uma da outra internamente ou mesmo nem se conhecerem. Então, descobrir como formular uma solicitação que, se você entregar à recepção, eles podem entender sobre o que você está falando, com quem conversar para encontrar os documentos em questão e como fazer tudo isso sem estragar muito o seu dia.
Em 99,99% das vezes, oficiais de registros públicos e oficiais da FOIA são apenas pessoas boas tentando fazer seu trabalho.
Em 99,99% do tempo, oficiais de registros públicos e oficiais da FOIA são apenas pessoas boas tentando fazer seu trabalho, no qual precisam equilibrar muitos interesses concorrentes, no qual nem sempre possuem todas as informações necessárias para conseguir fazer seu trabalho, a menos que você lhes dê essas informações. Portanto, reserve um minuto e tente imaginar como as coisas funcionam por dentro e que tipos de dicas e informações pode lhes dar para ajudá-los a te ajudar.
Você acha que a mídia gasta tempo suficiente fazendo suas próprias solicitações e analisando documentos?
Não, embora certamente haja muitas pessoas fazendo um trabalho incrível em muitas organizações. Uma das principais razões para termos iniciado o MuckRock foi porque analisamos os relatórios que fizeram a diferença ao longo de várias décadas: histórias que levam à reformas, histórias que levam a mudanças e melhorias.
Muitas das histórias que levaram a uma reforma real, muitas das que acabaram levando para casa um Pulitzer para serviços públicos ou reportagens investigativas usaram registros públicos como um elemento essencial para suas reportagens.
Mas quando conversamos com as redações em 2009, 2010, cada vez menos pessoas estavam realmente fazendo solicitações. As pessoas achavam que simplesmente não tinham tempo, ou o processo era muito complicado. Portanto, essa foi uma das principais razões pelas quais construímos o site: FOIA é incrivelmente importante, mas era muito difícil, muito pesado, principalmente para repórteres digitais.
Onde você aprendeu sobre o processo da FOIA?
Muitas tentativas e erros, mas também alguns mentores maravilhosos ao longo dos anos. O grupo de discussão FOI-L foi e é um recurso maravilhoso, especialmente para obter respostas rápidas para minhas perguntas. Eu sempre recomendo The Art of Access de David Cuillier e Charles Davis, que é um guia prático e muito legível.
O Guia de Governo Aberto do Comitê de Repórteres para a Liberdade de Imprensa ou RCFP OGG (do inglês, Reporters Committee for the Freedom of the Press’ Open Government Guide), é um recurso verdadeiramente único quando se trata de dados de registros públicos de cada estado.
Também sempre aprendo algo fazendo essas entrevistas, então é um pouco complicado, mas acho que o arquivo do Requester’s Voice tem sido realmente útil.
Tem em mente algumas dicas ou truques para solicitantes que buscam documentos interessantes?
O governo adora documentação, então pense: como isso seria documentado? Como isso seria rastreado, que tipo de supervisão existe, mesmo que apenas em teoria? Dedicar alguns minutos para ter uma ideia de como as agências operam significa que você pode registrar solicitações que são menos onerosas para eles, mas potencialmente muito mais interessantes para você e o público.
Também gostei muito do conselho de Brandon Smith: faça solicitações de arquivos que, se rejeitadas, ainda serão interessantes.
Às vezes, um "não" pode ser tão interessante quanto um sim se você formular a solicitação corretamente. Isso é algo em que eu costumava ser melhor e é uma das minhas resoluções de Ano Novo.
Além disso, observe quais tipos de documentos os outros estão recebendo e como estão usando. Eu mantenho uma lista de histórias escritas com base em registros públicos que uso como inspiração, e isso me ensinou a procurar ideias interessantes sobre solicitações em todos os tipos de lugares.
Mas acima de tudo: a melhor maneira de aprender é registrando solicitações e criando o hábito. Quanto mais você fizer, melhor ficará nisso e mais se beneficiará disso. E então talvez eu possa entrevistá-lo e compartilhar o que você aprendeu com o resto do mundo.
Texto publicado originalmente em inglês, no MuckRock, organização americana especializada na FOIA. A publicação em português pela Fiquem Sabendo foi realizada com apoio do International Center for Journalists (ICFJ) - conheça o projeto!
Assista às entrevistas com especialista americanos e brasileiros:
> Transparência economiza dinheiro do cidadão pagador de impostos, afirma especialista americano
> Crimes de ódio: como a ProPublica supriu lacunas nos dados públicos americanos
> Como as instituições de segurança lidam com a transparência, entrevista Karina Furtado Rodrigues
Veja os outros textos que traduzimos:
O “Terrorista da FOIA” compartilha segredos sobre transparência nos EUA
Requester’s Voice: entrevista com cofundador do MuckRock, Michael Morisy
Editor do Washington Post: como acessar dados de empresas privadas com a FOIA
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Este conteúdo saiu primeiro na edição #66 da newsletter da Fiquem Sabendo, a Don’t LAI to me. A newsletter é gratuita e enviada quinzenalmente, às segundas-feiras. Clique aqui e inscreva-se para receber nossas descobertas em primeira mão também.