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A Comissão Mista de Reavaliação de Informações do Governo Federal (CMRI) é último grau de recursos contra negativas de acesso a informações no Executivo federal.
Cada ministério conta um membro dentro da Comissão, que em 2019 revisou 221 respostas e alterou a decisão de 1% dos recursos. As decisões da CMRI de 2014 a 2019 estão disponíveis no Portal Brasileiro de Dados Abertos.
Convidamos os membros da CMRI a compartilhar suas experiências como autoridades máximas da Lei de Acesso à Informação (LAI). Responderam aos pedidos os representantes da AGU e da CGU:
Francis Scherer Bicca, ouvidor da Advocacia-Geral da União (AGU) e membro da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).
Fabio Valgas, Ouvidor-Geral da União Adjunto da CGU e membro da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI)
Esta é a sexta publicação da série de entrevistas do Fiquem Sabendo com os diversos agentes no ecossistema da Lei de Acesso à Informação (LAI). Em janeiro publicamos a entrevista "Bastidores da LAI: as dificuldades e estratégias do servidor", com o Ouvidor dos Correios.
Veja ainda as primeiras entrevistas da série, com a jornalista Juliana Dal Piva, a especialista em Segurança Pública Samira Bueno, o pesquisador Fernando Leali e o historiador Paulo Cesar Gomes.
Qual o papel da CMRI para a garantia da LAI? E dentro da comissão, qual é o papel desempenhado pelo seu ministério?
CGU: A Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) tem um importante papel de ser instância recursal de alto nível para questões afetas a pedidos de acesso à informação, além de ter competências conexas ao tratamento e a classificação de informações sigilosas. É um espaço democrático de desconcentração do poder decisório, já que é composto por nove órgãos de perfis institucionais distintos e complementares.
A Controladoria-Geral da União é um desses órgãos, que pauta sua atuação pelo respeito às leis e normas estabelecidas, com o mais alto grau de comprometimento com a transparência permitida pelo acesso à informação, tendo uma conduta institucional democrática e participativa que é marca inegável das atuações de todos os órgãos componentes da Comissão.
AGU: A CMRI analisa os casos concretos perante as diversas instâncias em que o demandante submeteu seu pleito. Ao julgar, em última instância, declara a forma como se interpreta a demanda perante à Lei de Acesso a Informação, moldando-se às demandas iguais perante os órgãos, ajudando a determinar como deve ser entregue ou não uma solicitação. A Advocacia-Geral da União é um dos membros da CMRI, com o mesmo direito de voto. Nas sessões, o papel da AGU é fazer com que prevaleça o objetivo da Lei de Acesso à Informação.
Como é feita a organização interna para garantir a avaliação e resposta à todos os recursos feitos à Comissão, dentro dos prazos da Lei? Tem alguma estratégia?
CGU: A “organização interna” da CMRI é competência de sua Secretaria-Executiva, que é exercida pela Casa Civil da Presidência da República, com competências definidas no Regimento Interno da Comissão, observando, para o cumprimento dessa função executiva/organizacional, a legislação e normativos aplicáveis para que se garanta o princípio democrático de acesso à informação, previsto em nossa constituição e tão caro para as democracias modernas, atendendo a prazos e procedimentos ditados pela legislação aplicável.
A estratégia de execução e cumprimento das competências da CMRI obedece a princípios constitucionais, entre os mais importantes os da legalidade, impessoalidade, publicidade e economicidade, de forma que os atos e fatos administrativos relacionados com a governança e gestão da Comissão garantam o pleno alcance de seus objetivos institucionais.
AGU: Sobre esse assunto, somente a secretaria-executiva da CMRI na Casa Civil pode responder. Sugiro contato com eles para esclarecimentos sobre essa questão.
O que você considera uma boa resposta à um recurso? Quais são os seus cuidados para escrever uma resposta acessível?
CGU: As respostas a pedidos de acesso à informação devem sempre observar a diretriz de que a publicidade é um preceito geral e que o sigilo é uma exceção, devendo sempre indicar as razões da negativa, total ou parcial, do acesso. Desta forma, seja de forma primária ou em grau de recurso, considera-se como boa toda resposta que contemple tal proceder.
As respostas aos pedidos de acesso a informação necessitam de cuidado no que se refere às partes de seus respectivos conteúdos que eventualmente sejam protegidos pelos sigilos previstos em lei, entre eles aqueles relativos às informações pessoais sensíveis que possam afetar a vida privada, imagem, honra e intimidade, informações bancárias, informações fiscais, entre outras.
AGU: Uma boa resposta a um recurso é aquela que possa traduzir o que é legal e devido em uma linguagem acessível. É preciso abordar o máximo possível o que foi solicitado, e, em caso de recusa, detalhar os porquês do não ou do atendimento parcial ao demandante. E é importante fazer isso sem se subtrair os comandos legais.
Quais são os embates mais difíceis de resolver?
CGU: Muito comumente os casos que chegam à CMRI são bastante complexos, merecendo todos os cuidados técnicos e legais que os casos requerem. Entre as muitas possibilidades de casos “difíceis”, aqueles que tratam de trabalhos adicionais e pedidos desarrazoados são sempre muito desafiadores no que se refere aos limites de aplicação da negativa de acesso à informação.
AGU: São as lacunas legais. Isto é, os casos em que tanto pode haver interpretação favorável à entrega dos dados quanto interpretação desfavorável. Há situações em que existem bons fundamentos para ambos os lados. Acredito que, nesses casos de lacuna, adotar o ditame da Controladora-Geral da União do “in dubio pro transparência” — ou seja, se houver dúvida, que se conceda os dados — seja o mais adequado e o que mais se aproxime da intenção do legislador.
Existem órgãos que reincidentemente preferem o sigilo ao acesso e levam esta Comissão à decisões similares e constantes? (que tipo de recursos você está cansado de responder?)
CGU: Não se pode falar em um exercício consciente e proposital de órgãos que “preferem” o sigilo em detrimento da concessão do acesso à informação e, portanto, em desfavor da transparência. É adequado compreender que determinados órgãos, em razão da natureza de suas atividades típicas, apareçam mais frequentemente com casos que precisam da atenção da CMRI. Por exemplo, instituições bancárias públicas tendem a necessitar frequentemente de considerações técnicas da CMRI em razão da invocação do sigilo bancário.
Qual recursos estou cansado de responder? <risos> Nenhum, já que sou apaixonado pelo tema acesso à informação e compreendo perfeitamente meu dever funcional de garantir este importante aspecto da transparência pública. Brincadeiras à parte, acredito que tenhamos um importante espaço para melhorarmos a atuação de toda a comunidade de acesso à informação nas questões relativas a “trabalho adicional” e “pedidos desarrazoados”.
AGU: Alguns dos pedidos mais frequentes são sobre aposentadoria, dívida da União (tributos), concurso para as carreiras e para os cargos administrativos, consultas a pareceres, licitação, crédito agrícola, planos econômicos, matérias vinculadas à saúde, processos judiciais, cursos e pós-graduações oferecidas pela AGU.
Que dicas você pode dar para os servidores das instâncias anteriores à Comissão?
CGU: Uma dica somente: aumentar cada vez mais o grau de aderência à diretriz de que a publicidade é um preceito geral e que o sigilo é uma exceção. Nós que atuamos no sistema de acesso à informação não podemos olvidar nem um segundo que temos um inafastável compromisso com a administração pública, com a democracia, com a sociedade, com o Brasil, compromisso esse que passa pela proteção do direito de acesso à informação e permanente diálogo para a ampliação desse direito.
AGU: Consultar as decisões da CMRI que estão em transparência ativa. Ser sempre gentil com o demandante, até com os que não forem contigo. Uma resposta, mesmo negativa, dada de forma afável é sempre mais bem assimilada.
O que nós, cidadãos, podemos fazer para facilitar a vida do servidor que responde aos recursos nesta Comissão?
CGU: “Exercer cada vez mais o direito cidadão de acesso à informação”, que apesar de parecer uma resposta óbvia, não é uma questão tão simples. Tal exercício passa pelo processo de conhecimento e uso instrumental da legislação, o que ainda é um grande desafio para nossa sociedade. Com isso quero dizer que persiste um enorme espaço para ampliação da utilização desse direito pelo conjunto mais amplo da sociedade, de que os pedidos podem ser melhor instruídos e sustentados pelo cidadão requerente, com o aprofundamento do conhecimento da ferramenta legal.
AGU: Os pedidos devem ser escritos sempre de forma clara, abordando tudo que seja pertinente à demanda, inclusive se houver uma história a ser contada, para que o servidor possa de forma tranquila identificar o pedido e respondê-lo. Isso será muito importante para ajudar o servidor a atender da melhor forma possível, e, mesmo que ele tenha de negar, conseguirá responder com mais clareza para que o demandante compreenda o motivo da negativa em relação ao que foi solicitado.
Quais são os processos e regras que garantem não apenas a imparcialidade da Comissão, mas sua tendendência a prezar pelo acesso como regra e o sigilo como exceção?
CGU: Simples, nosso compromisso de rigorosamente observar os ditames legais e normativos, colocando nossas decisões em transparência ativa para o escrutínio de todos os interessados. A respeito disso faço referência ao sítio eletrônico www. acessoainformacao.gov.br.
AGU: Seguir a lei e o seu objetivo de acesso, e não de restrição às informações. O que indica que esse acesso tem sido garantido é a pequena quantidade de recursos judiciais às decisões da CMRI. O próprio Poder Judiciário tem tutelado as decisões da CMRI.
Se a regra é o acesso e o sigilo é a exceção, como preza a LAI, por que a taxa de revisão de pedidos a favor do requerente é de apenas 1%?
CGU: É importante não confundir as coisas, para que todos compreendam a questão. A observância do preceito legal de que o “a publicidade é a regra e o sigilo é exceção” não tem nenhuma relação com os valores absolutos ou relativos das decisões favoráveis ou não aos pedidos de acesso e seus recursos, ocorridos na via administrativa.
Para que fosse feita uma análise qualitativa dessa questão, teríamos que ter uma relatório cotejando os casos de negativa de acesso e eventuais descumprimentos de obrigações legais e normativas. E parece-me que tal fenômeno, de inobservância legal, não se verifica, tanto que não há registros de irresignação de requerentes resolvida em âmbito judicial, desfazendo ou contrariando decisões de acesso à informação do âmbito administrativo.
Para o dado específico relativo “a taxa de revisão de pedidos a favor do requerente de apenas 1%”, convém lembrar que se trata do resultado verificado no 4º grau de instância recursal, ou seja, para aqueles pedidos de acesso à informação que já haviam sido negados primariamente pelo controlador/detentor da informação, pelos recursos ao chefe hierárquico (1ª instância), pela autoridade máxima do órgão/entidade onde ocorreu a negativa (2ª instância) e pela Controladoria-Geral da União (3ª instância). Nestes casos, seria extremamente equivocado esperar um grau de reversão de entendimentos alto, pois significaria que as instâncias anteriores estariam atuando de forma disfuncional, em contrariedade à legislação e normas aplicáveis aos pedidos de acesso a informação.
Nestes casos os números relativos dizem muito pouco. Por exemplo, em 2019 tivemos 135.339 pedidos de acesso à informação. Destes 11.593 (8,57%) foram encaminhados para recursos de 1º grau. Indo além, 3.386 recursos foram encaminhados para o 2º grau, o que representa 2,5% do total apresentado naquele ano. Quando falamos do 3º grau, sob responsabilidade da CGU, temos 1.730 recursos, ou seja, 1,28% apenas. Em termos numéricos significa que a cada 1.000 pedidos de acesso, apenas 13 não são resolvidos até a 3ª instância de recursos. E se colocarmos em termos dos recursos que chegam a CMRI estaremos falando de 221 em 2019, o que representa 0,16% do total de pedidos apresentados ano passado. Novamente em perspectiva numérica, estamos falando de pouco mais de 1 recurso a cada 1.000 pedidos de acesso. Não podemos dizer que é um resultado ruim, ao contrário, trata-se de uma performance bastante adequada da atuação de todo o sistema de acesso à informação.
AGU: A detentora de informações sobre essa questão, em particular, é a secretaria-executiva da CMRI na Casa Civil. Por isso, é mais adequado verificar isso diretamente com eles.
Considerando que a CGU faz um trabalho de avaliação aprofundado nos pedidos, o que a CMRI traz de novo a essa avaliação?
CGU: Infelizmente não compreendi adequadamente a pergunta. Estou a disposição para responder, caso haja melhor detalhamento do que se trata.
AGU: A CMRI, em sua composição, é independente da CGU, e cada integrante profere seus votos de forma individual e independente.
Nos casos em que houve deferimento do recurso, quais foram as falhas mais comuns dos órgãos públicos e por que isto não foi detectado antes pela CGU?
CGU: Nos casos de deferimento no âmbito da CMRI, na verdade não podemos falar em “falha”. Como dito na questão anterior, os casos que chegam à 4ª instância recursal representam uma esmagadora minoria que comporta necessidade de resolução e entendimento em órgão colegiado, envolvendo diversas especialidades técnicas e competências complementares. Ou seja, são casos muito complexos ou casos de irresignação do requerente que não considera os motivos de fato e de direito de negativas das instância anteriores.
AGU: Para esses esclarecimentos, é necessário contato a CGU e com a secretaria-executiva da CMRI na Casa Civil.
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Este conteúdo saiu primeiro na edição #66 da newsletter da Fiquem Sabendo, a Don’t LAI to me. A newsletter é gratuita e enviada quinzenalmente, às segundas-feiras. Clique aqui e inscreva-se para receber nossas descobertas em primeira mão também.