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Apoie agoraLéo Arcoverde
Cartaz afixado dentro de coletivo em São Paulo; cidade registrou apenas nove casos de abuso sexual nos ônibus coletivos entre janeiro e março. Foto Cesar Ogata/SECOM (16/12/2015) Entre janeiro e março deste ano, nove mulheres telefonaram para o 156 (número da central telefônica da prefeitura) para relatar que sofreram abuso sexual dentro de ônibus do transporte coletivo municipal em São Paulo. No mesmo período de 2015, só três mulheres denunciaram pelo 156 a ação de "encoxadores" no interior dos coletivos. É o que aponta levantamento inédito feito pelo Fiquem Sabendo com base em dados da SPTrans (empresa municipal de transporte) obtidos por meio da Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). Diariamente, em média, seis milhões de passageiros usam a rede de coletivos administrada pela empresa. A SPTrans diz realizar campanhas de conscientização para que mais casos de abuso sexual no transporte público sejam denunciados. Por que, então, o número de denúncias contra agressores sexuais que agem nos ônibus é tão baixo?
Uma série de reportagens publicadas pelo Fiquem Sabendo ao longo deste ano mostrou que, desde que o metrô e a CPTM, em 2014, implementaram campanhas para encorajar mulheres a denunciar os encoxadores que agem no sistema metroferroviário de São Paulo, o número de casos levados à polícia não para de crescer. Entre 2011 (quando não havia esse tipo de campanha) e o ano passado, a quantidade de ocorrências ligadas a abuso sexual dentro dos trens e estações dobrou. (Veja o detalhamento desses dados no infográfico abaixo.)
Em recente conversa com a reportagem, quando comentou o fato de parte dos casos de abuso sexual nos coletivos ser cometida por motoristas ou cobradores, o presidente do Sindmotoristas (Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo), Valdevan Noventa, alterou que a estatística da SPTrans não reflete a realidade. “Infelizmente, o assédio sexual ocorre diariamente nos ônibus. Fui cobrado por seis anos e, por várias vezes, parei o ônibus e até briguei com esses doentes, que insistem em fazer isso com as mulheres”, diz Noventa.
Em recente artigo publicado em seu blog, a urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Raquel Rolnik escreveu que o risco de sofrer assédio sexual impede que a mulher exerça, livremente, o seu direito à cidade. “As mulheres não têm direito à cidade porque não têm uma vivência plena e segura do espaço público. Não apenas nas ruas e demais espaços, mas também no transporte público, especialmente em horários de pico, quando a superlotação favorece a ação de abusadores”, escreveu Raquel. Ainda segundo a urbanista, as mulheres só poderão usufruir livremente da cidade “quando se sentirem plenamente livres e seguras – seja em casa, no trabalho, nos espaços públicos ou nos meios de transporte”. “Em lugar nenhum do mundo pode existir direito à cidade enquanto as mulheres não puderem andar sozinhas nas ruas, a qualquer hora, sem medo.”
A SPTrans disse por meio de nota que realiza campanhas preventivas contra qualquer ato de violência e discriminação no transporte público municipal e que nenhum dos nove casos registrados entre janeiro e março deste ano foi cometido por seus operadores (motorista e cobrador). Leia, abaixo, a íntegra da nota que a empresa enviou à reportagem: "A SPTrans informa que foram recebidas nove reclamações de assédios sofridos no interior dos ônibus municipais em 2016, sendo que em nenhum dos casos houve referência à conduta eventualmente inadequada dos operadores. Em 2015 foram 19 reclamações ao todo, com 12 citações de conduta inadequada do operador, ante 37 mensagens em 2014 (com a tripulação citada 9 vezes) e 31 em 2013, com uma delas citando motorista ou cobrador do veículo. A SPTrans realiza campanhas preventivas contra qualquer ato de violência e discriminação em materiais afixados nos ônibus, terminais e publicados em seus perfis nas redes sociais. As peças informativas, como edições do Jornal do Ônibus, orientam o respeito às mulheres e disponibilizam os canais para denúncias. Portanto, é fundamental que a vítima denuncie o caso imediatamente ao motorista para que haja a punição cabível. No caso de ocorrências no interior dos ônibus, a SPTrans orienta os passageiros a comunicar o fato imediatamente ao operador do veículo. Assim, os motoristas conduzem o ônibus até a delegacia de polícia mais próxima para que a vítima registre um boletim de ocorrência e, também, receba amparo das autoridades policiais que tomarão as providências necessárias. Quando o assédio for cometido por um motorista ou cobrador, a passageira deve informar imediatamente à SPTrans por meio da Central 156 ou do site www.sptrans.com.br/SAC. É muito importante informar a linha, o horário, o prefixo do coletivo e local da ocorrência para facilitar a identificação da tripulação do veículo. Nesses casos, a SPTrans aciona a empresa responsável pela linha para identificação do operador, que deve ser afastado de suas funções e submetido à área disciplinar da empresa. Também é importante que a passageira registre Boletim de Ocorrência junto às autoridades policiais para que o autor responda criminalmente pelos seus atos como qualquer cidadão. A SPTrans trabalha, por meio de campanhas educativas veiculadas no Jornal do Ônibus, para melhorar o respeito no interior dos veículos, tanto aos idosos, pessoas com deficiência e mulheres, além de incentivar a inclusão. Em dezembro de 2015, por exemplo, foi assinada Portaria Intersecretarial entre as pastas de Transportes; Políticas para Mulheres; e Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo que prevê que 30% dos motoristas do sistema de transporte coletivo sejam mulheres. Também ainda é frequente mulheres optarem por não registrar queixa no 156, preferindo recorrer diretamente às autoridades policiais competentes. As campanhas da SPTrans têm como finalidade encorajar as mulheres denunciar os abusos. Mais informações podem ser obtidas junto à Secretaria de Segurança Pública do Estado."
De acordo com o estudo Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, feito pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do governo federal, cerca de 527 mil mulheres são estupradas por ano em todo o país. Segundo a pesquisa (a mais aprofundada já realizada sobre o tema no Brasil), apenas 10% desses casos chegam à polícia. Os dados utilizados nesse estudo apontam que “89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e adolescentes”.
O Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal) define, no seu art. 213, o crime de estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Em caso de condenação, a pena para acusados desse crime (em sua modalidade simples) varia de seis a dez anos de reclusão. Já as modalidades qualificadas (consideradas mais graves pelo legislador) de estupro preveem penas mais altas. Quando há a morte da vítima, por exemplo, a pena máxima é de 30 anos.
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Este conteúdo saiu primeiro na edição #66 da newsletter da Fiquem Sabendo, a Don’t LAI to me. A newsletter é gratuita e enviada quinzenalmente, às segundas-feiras. Clique aqui e inscreva-se para receber nossas descobertas em primeira mão também.