Passeata em homenagem à vereadora Marielle Franco, e o motorista Anderson Gomes, no centro da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Qualquer dado sobre o acervo do armamento da Polícia Federal em todo o país está classificado como informação reservada e ficará sob sigilo até o dia 21 de maio de 2019.
Foi a essa informação que o
Fiquem Sabendo chegou após pedir à Polícia Federal, via Lei de Acesso à Informação, informações sobre desvios de munições da corporação, como o revelado dias após o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, na noite de 14 de março deste ano, no centro do Rio de Janeiro.
Dois dias depois do crime, investigadores descobriram que
a munição que matou Marielle era do mesmo lote usado em uma chacina na Grande São Paulo, ocorrida em 2015, que deixou 17 mortos.
Questionado sobre o assunto, na época, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, deu a seguinte declaração: "A Polícia Federal já abriu mais de 50 inquéritos por conta dessa munição desviada. Então, eu acredito que essas cápsulas que foram encontradas lá na cena do crime, desse bárbaro crime, foram efetivamente roubadas."
O
Fiquem Sabendo quer saber se esse tipo de desvio é algo comum ou se tratou de um episódio excepcional ao longo dos últimos anos na Polícia Federal.
A PF deu a seguinte resposta:
"(...) informa-se a impossibilidade de fornecimento dos dados pois estão protegidos pelo sigilo declarado no CIDIC 08200.006012/2014-15.R05.22/05/2014.21/05/2019, por meio do qual o Exmº. Sr. Diretor de Administração e Logística Policial classificou como “
Reservado” as informações que “
referem-se à quantidade, características, dados identificadores, distribuição e destinação das armas de fogo do Departamento de Polícia Federal contidas nos bancos de dados SINARM E E-LOG, bem como quaisquer consolidações de dados cujo objeto se relacione ao acervo de armamento do Departamento de Polícia Federal."
Traduzindo: no dia 22 de maio de 2014, um diretor da PF, numa canetada, restringiu o acesso a esse tipo de dado pelo prazo de 5 anos. O motivo? A PF não informa. E até o 21 de maio do ano que vem, a PF pode, com base nessa decisão, não revelar qualquer informação aos cidadãos sobre o paradeiro de armas e munição eventualmente desviadas de suas unidades.
'Em nome da segurança do Estado'
O
Fiquem Sabendo interpôs recurso para que o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, explicasse o porquê desse sigilo.
"No que tange às justificativas legais para classificação", respondeu Galloro, em ofício, "estas estão previstas no artigo 23, VII e VIII da Lei de Acesso à Informação – LAI".
Os incisos a que se referiu o diretor-geral da PF dizem o seguinte:
"Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
(...)
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares;
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações."
Ainda de acordo com o delegado Galloro, "nos termos da LAI, tais informações podem ser mantidas como classificadas até seu prazo máximo, ou seja, até 21 de maio de 2019, não havendo previsão, por ora, de desclassificação antes de tal data."
Risco à segurança nacional? Será?
De que de forma o número de armas e munições desviadas do Estado coloca em risco a segurança nacional? A sociedade correria algum risco se esse tipo de informação viesse à tona?
Para o presidente da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, a negativa de resposta da PF contém uma série de violações à Lei de Acesso à Informação. Em primeiro lugar, o órgão não fundamentou a negativa, como prevê o inciso II do artigo 8º da LAI: "Eles não podem simplesmente dizer que o sigilo foi dado por conta do artigo tal", diz.
Galdino explica que, para justificar um sigilo, o Estado tem que ser específico e dizer como "essa informação pode ser usada da maneira x,y,z,".
A não fundamentação adequada da resposta impede também que o cidadão possa recorrer às instâncias superiores. "Se ele não disser por que acha que se encaixa no artigo tal, para que eu possa concordar ou não, como eu vou recorrer?"
* Com reportagem de Maria Vitória Ramos