O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB); Sabesp registra queda no número de reparos realizados em sua rede de distribuição de água. Foto: Daniel Guimarães/A2 (20/07/2015)
No início deste ano, três semanas após assumir a presidência da
Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), o professor de Recursos Hídricos da
COPPE-UFRJ Jerson Kelman escreveu um
artigo, publicado no dia 22 de janeiro pelo jornal “Folha de S.Paulo”, no qual afirma: “Para resolver de vez os vazamentos [existentes na rede de distribuição de água da empresa], seria preciso substituir todas as antigas tubulações. A Sabesp já está empenhada na tarefa, que inescapavelmente durará diversos anos”.
No entanto, o número de reparos em vazamentos feito pela Sabesp nos seis primeiros meses de 2015 não condiz com o que Kelman escreveu.
Entre janeiro e junho deste ano, a empresa registrou seis quedas mensais consecutivas no número de reparos em vazamentos em relação ao mesmo período de 2014. No acumulado do semestre, houve uma queda de 11% no número de consertos realizados (de 18.707 para 16.661). Esses números se referem aos consertos realizados na rede de distribuição de água na Grande São Paulo e na região de Bragança Paulista.
É o que aponta levantamento inédito feito pelo
Fiquem Sabendo com base em dados da Sabesp obtidos por meio da
Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).
De acordo os dados disponibilizados pela empresa controlada pela governo
Geraldo Alckmin (PSDB), maio registrou as maiores quedas nominal e percentual na quantidade de reparos realizados pela Sabesp do primeiro semestre: foram feitos 634 consertos a menos do que em 2014 (3.526 contra 2.892), o que representou uma redução de 18%. (Veja o detalhamento desses dados no infográfico abaixo.)
Redução de pressão tem por objetivo conter vazamentos
Com o agravamento da atual crise de falta de água, em meados de 2014, a Sabesp impulsionou as chamadas manobras de redução de pressão da água em sua rede de distribuição. Na prática, é isso impede que a água chegue às torneiras das casas situadas nas áreas mais altas das cidades atendidas pela empresa (onde mora a maior parte da população mais pobre dessas regiões), como é o caso da periferia de São Paulo.
O principal objetivo da Sabesp, ao reduzir a pressão da água, é reduzir as perdas de água decorrentes dos vazamentos existentes em sua rede. O próprio presidente da Sabesp, no artigo publicado pela Folha de S.Paulo, admitiu isso, ao escrever: “Naturalmente, a Sabesp sabe que a redução de pressão pode causar transtornos à população. Essa redução, porém, é necessária para diminuir o vazamento das tubulações enterradas no solo. Trata-se de um mal maior, que seria a exaustão da pouca água ainda armazenada nos grandes reservatórios”.
Tudo isso diverge das declarações dadas pelo governador Geraldo Alckmin, ao comentar sobre os casos de falta de água pelos quais passa diariamente parte dos paulistanos. Desde o início da crise, Alckmin insiste em dizer que essas ocorrências se devem ao fato de que essas pessoas não têm caixas-d’água em casa _conforme determina a lei, ele costuma afirmar.
Volume é suficiente para abastecer 5,7 milhões de pessoas
A água perdida pela Sabesp entre janeiro e maio deste ano (151 dias) devido aos vazamentos em sua rede de distribuição daria para abastecer cerca de cerca de 5,7 milhões de pessoas durante esse período.
Esse contingente supera a quantidade de clientes atualmente abastecida pelo sistema Cantareira, que é de aproximadamente 5 milhões _antes da crise, esse conjunto de reservatórios abastecia 8,8 milhões de consumidores.
Para chegar a esse número, a reportagem utilizou como parâmetro o consumo médio de água per capita no Brasil, que é de 166,3 litros ao dia, segundo o último cálculo feito pelo
SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), em 2013.
Número de vazamentos surpreendeu pesquisadora de Stanford
Convidada pelo governo de São Paulo a vir ao Brasil para ajudar a encontrar soluções para a atual crise, em dezembro de 2014, a pesquisadora da Universidade de Stanford, na Califórnia, Newsha Ajami, surpreendeu-se com a quantidade de água que não chega às torneiras dos paulistanos devido aos vazamentos existentes nas tubulações da Sabesp.
Em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo", Newsha afirmou: “O sistema do Estado tem cerca de 40% a 45% de vazamentos, então eu me concentraria em aumentar a eficiência ao invés de racionar”.
Ao falar sobre o que deveria ser feito para contornar a atual crise no curto prazo, ela respondeu: “A primeira medida deveria ser consertar os vazamentos”.
Por que isso é importante?
A
Lei nº 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos) prevê que a água “é um bem de domínio público” e que um dos objetivos dessa política é “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”.
Essa mesma lei federal determina ainda que “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”.
Em julho de 2010, a Assembleia Geral da
ONU (Organização das Nações Unidas) reconheceu o acesso a uma água de qualidade e a instalações sanitárias adequadas como um direito humano.
Obra do sistema Guarapiranga, que ampliou capacidade de abastecimento do manancial. Foto: Daniel Guimarães/A2 (20/07/2015)
Maioria dos consertos é feita entre a rede e os imóveis, afirma empresa
A Sabesp disse em nota que "os números citados são referentes apenas aos reparos realizados em sua rede de distribuição de água". "Ou seja, não incluem consertos efetuados nos ramais _as tubulações que conectam os imóveis à rede, que correspondem à maior parte dos vazamentos atendidos pela companhia".
De acordo com a empresa, " com a redução da pressão na rede, medida adotada para reduzir o desperdício de água, era previsível que o número de vazamentos registrados apresentasse queda".