Cachorro abrigado em sede de ONG protetora de animais em Ribeirão Pires, no ABC paulista. Foto: Silvia Faller/Ong Clube dos Vira-Latas (08/02/2014)
Entre 2014 e 2015, as denúncias de maus-tratos a animais na cidade de São Paulo mais que quadruplicaram. Os relatos desse crime recebidos pela PM por meio do 190 saltaram 330% no período _de 197 para 849 ligações.
Em 2012 (primeiro ano com relatos de agressões a animais reunidos na base de dados da PM), foram feitas 238 ligações; em 2013, houve 197 ligações.
É o que aponta o levantamento inédito feito pelo
Fiquem Sabendo com base em dados do
CPC (Comando de Policiamento da Capital), da PM, obtidos por meio da
Lei Federal Nº 12.527 (Lei de Acesso à Informação). (Veja, abaixo, a representação gráfica dessas informações.)
Para Glaucia Lombardi, fundadora do projeto
Cão Sem Fome, ONG dedicada à arrecadação de alimentos para cães em situação de risco, a estatística reflete uma maior conscientização da população quanto à importância de se denunciar casos de maus tratos a animais, e não exatamente uma explosão real do número de ocorrências dessa natureza. “Os maus-tratos sempre existiram, só que antes não havia uma consciência das pessoas em denunciar, apurar e divulgar os casos. Eles eram uma contabilidade esquecida que, quem atua na proteção animal, sabe da existência, mas não chega à maioria da população”, afirma.
O projeto dirigido por Glaucia apoia protetores independentes, mas não resgata animais em situação de risco. Além do fornecimento de ração, o auxílio da ONG abrange cuidados com a saúde dos cães.
Ela conta que há casos em que o primeiro contato da equipe da ONG com os animais se dá após os cães terem vagado famintos pelas ruas, fracos e doentes, depois de terem sido abandonados pelos próprios donos.
De acordo com Glaucia, há ainda casos em que os animais são torturados diariamente dentro de casa. Entre as práticas de maus-tratos comuns, diz ele, estão queimaduras com cigarro ou com água quente, por exemplo. Ela afirma ter percebido um crescimento de um certo tipo de maus-tratos no qual há a privação da alimentação ao animal, com o objetivo de causar sua morte. “É um crime difícil de se combater, porque, se esse animal ficar amarrado sem comida nos fundos de uma casa e não houver uma denúncia, quem vai saber [da ocorrência do crime]?”, diz.
Segundo Glaucia, há cerca de três anos, uma cachorra SRD (sem raça definida) chegou à beira da morte por inanição ao projeto. Seu dono parou de alimentá-la depois de ganhar um cão de raça. Quando perceberam isso, vizinhos pediram ajuda e uma protetora foi na casa resgatar o animal. Ela teve de ficar internada por oito meses para se reabilitar e até hoje só consegue comer alimentos pastosos.
Glaucia lamenta que a impunidade desses crimes contribua para gerar novos casos de maus-tratos e até ameaças para aqueles que se empenham em proteger os animais. Ela conta que não são raras situações em que protetores independentes são xingados e até agredidos por tentarem salvar cães em situações como essa.
Por que isso é importante?
O artigo 32 da
Lei Federal nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) define o crime de maus-tratos como “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. A pena prevista, em caso de condenação, é de três meses a um ano de detenção e multa.
Quando o animal morre por causa dos maus-tratos, a pena pode ser aumentada de um sexto a um terço. Portanto, pode chegar, no máximo, a um ano e quatro meses de detenção.
O primeiro parágrafo do mesmo artigo dispõe que “incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”.
Saiba como denunciar
A Lei de Crimes Ambientais permite que qualquer cidadão denuncie um caso de maus-tratos às autoridades competentes.
De acordo com cartilha elaborada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, o primeiro passo é se dirigir a uma delegacia. Algumas cidades, como São Paulo e Campinas, possuem delegacias especializadas em registrar e investigar casos dessa natureza. No entanto, qualquer distrito policial tem o dever de receber a denúncia e fazer o boletim de ocorrência.
É possível ainda notificar o crime diretamente no Ministério Público. A recomendação do órgão é que o denunciante dê o máximo de detalhes sobre a ocorrência, como endereço e nomes de suspeitos, por exemplo.
O
site da ONG
World Animal Protection informa que a apresentação de provas, como fotos, vídeos, testemunhas, laudos ou atestados veterinários aumenta as chances de uma denúncia ser esclarecida.
Ativista critica órgãos de repressão
Na avaliação de Glaucia Lombardi, apesar da existência do aparato de repressão a crimes contra animais, a polícia e os órgãos competentes precisam ser mais preparados para lidar com esses casos. “A intervenção tem que ser rápida e isso não ocorre, esbarra em burocracia, falta de preparo, falta de recursos e ineficiência.” Para Glaucia, para que os casos de maus-tratos a animais diminuam, é necessário um trabalho de base, de educação, contrário ao modelo adotado no país nas últimas décadas, “no qual se aprendia que os animais viveriam para servir e para o consumo humano”. “Há a necessidade de se reeducar uma sociedade para o respeito à vida, ao meio ambiente e aos animais”, diz.
Capital paulista possui duas delegacias especializadas em combate a crimes contra animais
A
Secretaria de Estado da Segurança Pública disse por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa que a capital paulista possui duas delegacias especializadas em registrar e investigar infrações contra o meio ambiente e animais.
Leia, abaixo, a íntegra da nota que a pasta envio à reportagem:
"A Divisão de Infrações contra o Meio-Ambiente do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) informa que a população deve denunciar o caso de maus tratos aos animais pelo 190, cujo Batalhão de Polícia Ambiental deve verificar a denúncia. Constatando-se a irregularidade, a PM efetua o registro na delegacia mais próxima.
A Polícia Civil possui duas delegacias especializadas em infrações contra o meio Ambiente e Animais. Essas delegacias investigam e apuram denúncias. O telefone para denúncias é o 3338-0155."
* Com reportagem de Iolanda Paz e Gustavo Drullis, repórteres da Jornalismo Júnior (ECA-USP)