Portão de entrada do assentamento Barra de Santo Estevão, em São Paulo do Potengi, no Rio Grande do Norte; local sofre com falta de água há cerca de três meses. Foto: Léo Arcoverde/Fiquem Sabendo
Formado por 56 famílias de trabalhadores sem-terra, o assentamento Barra de Santo Estevão ocupa um pequeno trecho da margem da rodovia RN-120, em São Paulo do Potengi, no agreste do Rio Grande do Norte.
Ao redor dele, a vegetação seca da planície _em sua maior parte, juremas (árvores com galhos repletos de espinhos e sem nenhuma folha verde)_ forma um manto cinza com cerca de dois metros de altura, que toma praticamente toda a paisagem.
O único verde do lugar são as árvores que mantêm alguma exuberância mesmo durante os períodos de seca, como o juazeiro, a algaroba e a quixabeira. A grande distância entre uma e outra, porém, torna-as imperceptíveis ao olhar menos atento.
Vegetação no entorno do assentamento. Foto: Léo Arcoverde/Fiquem Sabendo
As famílias vivem em casas com terraço em “U”, que ocupa a frente e as laterais dos imóveis. Do lado de fora de cada uma delas, há uma cisterna construída pelo governo federal há cerca de três anos, segundo os moradores.
O assentamento é cercado e possui um portão fechado com corrente e cadeado. O acesso a ele só é possível caso algum morador autorize. O termômetro do carro da reportagem, estacionado debaixo de uma árvore, marca 41 graus. São cerca de 13 horas do dia 5 de janeiro de 2016.
“A torneira nem pingar, pinga. Mas, o papel vem todo mês.”
Gericiana de Fátima Fernandes, 32 anos, é dona de um bar localizado na entrada do assentamento. Ela é quem autoriza a entrada da reportagem no local. De acordo com ela, quem vive por aqui sofre com a falta de água há mais de três meses.
“A torneira nem pingar, pinga. Mas, o papel vem todo mês”, diz Gericiana. O papel a que ela se refere é o boleto da tarifa de água cobrada pela Caern (Companhia de Águas e Esgoto do Rio Grande do Norte). A taxa mínima mensal é de R$ 31.
Gericiana de Fátima Fernandes, 32 anos, moradora do assentamento; ela afirma que região sofre com a falta de água há mais de três meses. Foto: Léo Arcoverde/Fiquem Sabendo
Segundo Gericiana, nos períodos de seca, os moradores economizam o máximo que podem e adotam uma série de estratégias para não ficarem sem água. Entre elas, pedir água à Prefeitura de São Paulo do Potengi e até contar com a solidariedade de vizinhos, que dão água a quem não tem como comprá-la.
Preço de “carrada” de água sobe de R$ 60 para R$ 120
Todas as casas do assentamento são ligadas à rede de distribuição da Caern. A região é abastecida pela adutora Monsenhor Expedito. Ela foi inaugurada em 1999 pelo então governador Garibaldi Alves Filho (atualmente senador, ele presidiu o Senado entre 2007 e 2009 e foi ministro da Previdência de 2011 e 2014).
Com a escassez de água na região, a lei da oferta e da procura fez o preço da “carrada” (pequeno caminhão-pipa, com capacidade para fornecer 4.500 litros) de água dobrar de R$ 60 (valor cobrado durante outras épocas do ano) para R$ 120, segundo moradores.
Hidrômetro instalado em imóvel do assentamento; moradores pagam taxa mensal de R$ 31 pelo serviço. Foto: Léo Arcoverde/Fiquem Sabendo
Água de açude é imprópria até para o banho
Francisca Lopes de Macedo, 53 anos, vive no assentamento desde a sua fundação, há cerca de 13 anos.
Ela conta que, nessa época, os moradores passavam a noite enchendo galões com a água proveniente da adutora. “Ninguém dormia”, conta.
De lá para cá, a escassez de água durante a seca só piorou.
Hoje, ela diz que usa a água salobra (imprópria para o consumo humano) para limpar a casa e dar aos animais. "Não dá nem para tomar banho com essa água porque, quando passamos o sabonete, a pele cria uma crosta, fica grudenta", explica.
Rua do assentamento Barra de Santo Estevão, em São Paulo do Potengi. Foto: Léo Arcoverde/Fiquem Sabendo
Temperatura na região ficará 1ºC acima do normal em 2016
Além da falta de chuvas, este começo de 2016 no Rio Grande do Norte deverá registrar temperaturas acima do normal, segundo a Emparn (Empresa de Pesquisa Agropecuário do RN), ligada ao governo estadual.
De acordo com a Gerência de Meteorologia da empresa, isso deve ocorrer devido ao fenômeno
El Niño. “É previso que nos meses de janeiro e fevereiro de 2016 as temperaturas máximas fiquem 1ºC acima do normal”, informa a Emparn, em seu site. “São esperadas, neste período, temperaturas máximas de 32ºC a 33ºC. Para o interior, as máximas deverão variar entre 36ºC e 37ºC, dependendo da região. As temperaturas mínimas oscilarão entre 24ºC a 26ºC na capital e no interior.”
Por que isso é importante?
A
Lei nº 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos) prevê que a água “é um bem de domínio público” e que um dos objetivos dessa política é “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”.
Essa mesma lei federal determina ainda que “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”.
Em julho de 2010, a Assembleia Geral da
ONU (Organização das Nações Unidas) reconheceu o acesso a uma água de qualidade e a instalações sanitárias adequadas como um direito humano.