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A transparência continua a meio mastro na maioria dos tribunais de contas estaduais quando se trata da folha de pagamento de seus conselheiros. Dos 27 tribunais, 14 não divulgam seus dados de remuneração de forma integralmente acessível e aberta ao público. Outros 13 tribunais oferecem coletas de informações com restrições menores – permitindo o download de maior volume de dados, na maioria das vezes, em formato aberto. Essa é uma das revelações de um levantamento inédito feito pela Fiquem Sabendo (FS) em novembro sobre os vencimentos daqueles que fiscalizam a gestão financeira e orçamentária dos recursos públicos de estados e municípios. A investigação revela ainda, de forma organizada, os vencimentos líquidos mensais de 127 conselheiros de 13 estados.
O trabalho conduzido ao longo de novembro pela Fiquem Sabendo detectou que mais da metade dos tribunais de contas das unidades federativas dificultam a extração de dados sobre salários de conselheiros. Os obstáculos incluem a exigência de informações adicionais dos requerentes, entrega de dados em formatos não abertos, como PDF, ou a permissão apenas para consultas específicas — mês a mês, por exemplo —, em desalinho com o espírito da Lei de Acesso à Informação (LAI).
O levantamento conduzido por João Vitor Zaidan, da equipe de Advocacy da Fiquem Sabendo, e por Igor Laltuf, cientista de dados da organização e responsável pelo tratamento e análise das informações, apurou que a busca e, principalmente, a coleta de informações são dificultadas em 14 unidades federativas: Amapá, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia e Sergipe.
“É completamente absurdo que, em 2024, ainda exista dificuldade para acessar informações sobre a remuneração de servidores públicos. É ainda mais inacreditável quando estamos falando de órgãos controladores, cuja função é justamente fiscalizar a transparência, a prestação de contas e o uso dos recursos dos demais órgãos. Então, que exemplo isso dá? Para além do problema interno no órgão, isso se espalha para o restante da administração pública”, avalia Maria Vitória Ramos, diretora-executiva e cofundadora da Fiquem Sabendo.
Mais acessíveis, mas não muito
Outros 13 tribunais de contas – dos estados de Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins – são mais acessíveis, mas também apresentam limitações. As duas principais dificuldades identificadas são: (1) o fato de que cada tribunal lista os componentes da remuneração dos conselheiros de maneira diferente e (2) a ausência, em alguns tribunais, de um dicionário de variáveis que permita identificar claramente cada item da folha de pagamento. Dessa forma, torna-se praticamente impossível para o cidadão obter os valores brutos recebidos por cada conselheiro com precisão, sem risco de cometer erros. E, em alguns casos, como no tribunal catarinense, os salários brutos do conselho não estão disponíveis para download de forma agrupada, exigindo busca individualizada por nome de cada membro — apenas os pagamentos líquidos podem ser acessados e baixados dessa forma.
“A equipe da Fiquem Sabendo, que trabalha com isso e é especializada nesse tipo de fiscalização, enfrenta dificuldade para obter e entender esses dados, porque eles são muito mal explicados, além de haver problemas no funcionamento dos próprios portais. Agora, imagine um cidadão que não tem esse preparo nem o tempo disponível para isso e quer fiscalizar e acompanhar ativamente o seu estado ou município. Como ele consegue fazer isso?”, questiona a diretora Maria Vitória.
Pagamentos brutos e líquidos
Apesar das limitações impostas por boa parte dos portais, reunimos dados dos 12 tribunais de contas estaduais — Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima, São Paulo e Tocantins — com informações sobre componentes que pudessem ser associados ao valor bruto de remuneração. Nessa estratégia, componentes da folha de pagamento, como “total de vencimentos”, foram classificados como valores brutos da remuneração. Mesmo sem identificadores claros ou dicionários detalhados, a Fiquem Sabendo conseguiu obter números aproximados, ainda assim suficientes para dimensionar o tamanho do problema.
Neste ano, entre janeiro e outubro, o grupo de 12 tribunais de contas estaduais analisados soma R$ 69,4 milhões em valores brutos para 120 conselheiros.
A pouca transparência sobre os componentes da folha de pagamento em alguns tribunais de contas estaduais (TCEs), que compromete análises mais detalhadas, levou nossa equipe a optar editorialmente pela disponibilização apenas dos dados referentes aos valores líquidos pagos a 127 membros de 13 tribunais de contas (AL, AM, BA, GO, MG, PA, PE, RJ, RR, SC, SP e TO).
O arquivo inclui os pagamentos líquidos mensais de conselheiros — incluindo substitutos — entre janeiro e outubro deste ano. A planilha fornece ainda informações claras sobre a disponibilidade dos dados coletados nos sites dos tribunais de contas, a metodologia de análise utilizada pela Fiquem Sabendo, além do pagamento líquido médio de cada conselheiro no período e o pagamento líquido médio por órgão.
Neste ano, como é possível conferir no arquivo que liberamos, o pagamento líquido total desse grupo de 127 conselheiros chegou a R$ 54 milhões. A cifra foi impulsionada, em boa parte, pelos valores pagos a integrantes dos TCEs de Roraima e Pernambuco, como demonstrado no gráfico abaixo.
Acesse os dados
A planilha com o compilado dos pagamentos líquidos aos 13 tribunais que disponilibilizam a informação pode ser acessada aqui;
Dados por estado: a pasta com a íntegra dos dados de baixados dos portais de transparência dos tribunais de cada estado está aqui.
Assunto pautou coluna de fundadores da FS
O tema desta newsletter foi tratado recentemente na coluna Transparência Pública, assinada por Maria Vitória e Bruno Morassutti, diretor de Advocacy e cofundador da Fiquem Sabendo, publicada na Folha de S.Paulo na quinta-feira (14). A dupla discutiu os alarmantes pagamentos de R$ 7,7 milhões aos sete conselheiros do TCE-RR em setembro noticiados dias antes na imprensa nacional. O montante, lembram os colunistas, seria suficiente para remunerar 1.263 professores e expõe não apenas a disparidade salarial, mas também a falta de transparência em muitos tribunais de contas, órgãos que deveriam servir de modelo para a administração pública.
O texto também enfatiza que os pagamentos milionários foram justificados pelo TCE-RR como indenizações por trabalho acumulado e abonos atrasados, mas sem detalhamento claro das rubricas. Além disso, a coluna aponta para uma distorção estrutural: os conselheiros têm uma carga horária semanal de apenas 30 horas, o que torna insustentáveis os argumentos de excesso de trabalho. Especialistas ouvidos, como Carlos Ari Sundfeld, da FGV, consideram o modelo “inconstitucional, uma aberração administrativa”. Para Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral, a dificuldade de fiscalização incentiva a insatisfação pública e o descrédito nas instituições.
A coluna critica o desrespeito ao teto remuneratório constitucional e a opacidade na divulgação de dados, que muitas vezes apresentam valores agregados como "proventos diversos", impossibilitando a conferência pela sociedade. Nesse sentido, a avaliação dos cofundadores da FS que assinam o texto é de que o caso do TCE-RR é emblemático de um sistema onde os próprios beneficiários têm poder para autorizar pagamentos retroativos e milionários. “Quem controla os controladores?”, questionam. Você pode conferir a íntegra da coluna clicando aqui.
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Este conteúdo saiu primeiro na edição #137 da newsletter da Fiquem Sabendo, a Don’t LAI to me. A newsletter é gratuita e enviada quinzenalmente, às segundas-feiras. Clique aqui e inscreva-se para receber nossas descobertas em primeira mão também.