Muralha de presídio no oeste paulista; fila do semiaberto possui 4.280 presos, segundo o governo estadual. Foto: Edson Lopes Jr./GESP (31/01/2014)
No Estado de São Paulo, 4.280 homens que já obtiveram da Justiça o direito de progredir do regime fechado para o semiaberto continuam no sistema de cumprimento de pena mais rígido. O motivo dos presos não terem sido transferidos é a falta de vagas.
É o que apontam dados da SAP (Secretaria de Estado da Administração Penitenciária) obtidos com exclusividade pelo
Fiquem Sabendo. Eles representam a continuação de uma série de reportagens elaboradas com base em informações captadas via
Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).
Os presos que formam a fila do semiaberto representam 13% da população carcerária que cumpre pena nesse regime no Estado de São Paulo, que era de cerca de 32 mil presos no fim de 2015.
É um total desrespeito às leis, diz especialista em processo penal
Esta é a quarta reportagem que o
Fiquem Sabendo publica sobre a fila do semiaberto.
Publicada em julho de 2015, a primeira reportagem trouxe análises de juristas acerca desse tema. Naquela época, a fila do semiaberto tinha cerca de 5.700 presos.
Para o jurista e diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil, Luiz Flávio Gomes, a existência dessa fila representa “um sistema repressivo que desrespeita a Constituição e tratados internacionais”. “Trata-se de um total desrespeito às leis por parte do Estado. Isso incentiva todas as pessoas a não observarem a lei. E o pior de tudo: não existe uma responsabilização das autoridades”, avalia Gomes.
Outro jurista que comentou, na época, esta situação o professor de direito penal da
PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de SP) e desembargador do
Tribunal de Justiça paulista Guilherme de Souza Nucci. Ele admitiu já ter julgado vários
habeas corpus de presos da fila do regime semiaberto. “Acho um absurdo. Tenho concedido as ordens de
habeas corpus para irem imediatamente ao regime semiaberto.”
Para condenados no processo do mensalão, progressão foi rápida
Quem acompanhou pela imprensa as progressões de regime dos condenados no processo do mensalão não deve encarar a rapidez daquelas transferências _feitas dentro da lei_ como uma regra aplicada à maioria dos presos brasileiros.
Se em São Paulo quase 9.000 detentos na fila do semiaberto, os presos do mensalão, depois que obtiveram o direito de progredir de regime, ficaram poucos dias no regime fechado.
O ex-deputado federal e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, por exemplo, levou sete dias para progredir, na prática, de um regime para o outro: em 25 de junho de 2014, o STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu a ele o direito de trabalhar em um escritório de advocacia durante o dia e passar a noite na cadeia. No dia 2 julho, ele foi transferido para uma unidade do regime semiaberto em Brasília (DF).
Em agosto de 2015, quando cumpria pena o restante da pena pelo caso mensalão em casa, Dirceu foi preso na operação Lava Jato.
74% dos presos não trabalham
Reportagem publicada pelo
Fiquem Sabendo em setembro de 2015 mostrou que 164.447 dos 222.125 detentos que, na época, cumpriam pena ou aguardavam decisão judicial na cadeia no Estado de São Paulo não trabalhavam.
O contingente de presos ociosos representa 74% da população carcerária.
No regime semiaberto, no qual os presos com emprego passam o dia fora do presídio e a noite na unidade prisional, a proporção de presos que trabalham é de 45%.
Por que isso é importante?
O art. 185 da
Lei Federal nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) determina que “haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares”
O Tribunal de Justiça de São Paulo já concedeu a presos da fila do semiaberto o direito de progredir diretamente ao regime aberto até que o Estado providenciasse uma vaga para ele no semiaberto sob o argumento de que eles não deveriam, além da pena, arcar com a “má administração e aparelhagem estatal”.
Número de presos na fila caiu drasticamente, afirma secretaria
A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária disse por meio de nota que o número de presos aguardando vaga para o regime semiaberto "diminuiu drasticamente".
De acordo com o órgão, "só de março para junho deste ano, a fila de espera diminuiu de 8.870 para 4.280 presos _uma diminuição de quase 52% em menos de três meses".
"Isso foi possível graças a uma série de medidas tomadas pela Secretaria da Administração Penitenciária, como a criação de uma lista única de transferências, ordenada cronologicamente, e ao Programa de Expansão de Vagas em Regime Semiaberto, que criou 9.787 vagas desde 2013 com a construção de novos Centros de Progressão Penitenciária e Alas de Progressão, além de ampliação dos CPPs já existentes."
A secretaria informou ainda que "os presos condenados ao regime semiaberto já vão diretamente para uma unidade destinada exclusivamente para aquele regime". "A fila de espera é unicamente para aqueles presos que, cumprindo pena no regime fechado, conseguiram a progressão ao semiaberto. Enquanto aguardam, eles têm seus direitos garantidos, inclusive à saída temporária com autorização da Justiça."