Apoie a Fiquem Sabendo
Apoie agoraEquipe Fiquem Sabendo
Relatório do projeto Achados e Pedidos lançado na última sexta-feira, 16 de abril de 2021, mostra que a regularização de territórios quilombolas chegou aos menores níveis desde 2004. Segundo o estudo “Direito à terra quilombola em risco - Reconhecimento de territórios tem baixa histórica no governo Bolsonaro”, as duas etapas que envolvem a regularização dessas terras apresentaram declínio.
Em 2020, foram apenas 29 certificações - uma queda de 58% em relação a 2019. Nesse mesmo ano, somente uma titulação foi completada.
O Achados e Pedidos é uma iniciativa realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Transparência Brasil, em parceria com a Fiquem Sabendo, com financiamento da Fundação Ford. Em uma plataforma on-line, o projeto reúne milhares de pedidos de acesso à informação de cidadãos e as respostas da administração pública feitas via Lei de Acesso à Informação (LAI).
A certificação, primeiro passo para a regularização de um território quilombola, é de responsabilidade da Fundação Cultural Palmares (FCP). A titulação, que oficializa a posse da terra para as famílias remanescentes de quilombos, fica a cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A pesquisa mostra que a Fundação Palmares reduziu o ritmo de concessão de certificações nos últimos dois anos. A taxa de resolutividade de processos (a relação entre processos concluídos e o estoque de processos em tramitação) caiu de 45% em 2018, último ano do governo Temer, para 25% em 2019, já com Bolsonaro no poder.
A titulação pelo Incra envolve diferentes fases: elaboração de Relatório de Identificação e Delimitação, publicação do Relatório no Diário Oficial da União, desapropriações, reconhecimento, entre outros. As tramitações de processos de titulação por essas fases no biênio 2019-2020 representam o menor número desde o início da série histórica em 2005. A queda foi de 71% em 2019 na comparação com 2018, passando de 45 para 13, e de 69% em 2020, com apenas quatro movimentações.
Para a cofundadora e diretora da Fiquem Sabendo, Maria Vitória Ramos, os dados obtidos, tratados e analisados no relatório não deveriam depender da ação de terceiros:
“É responsabilidade da FCP e do Incra publicar e atualizar as bases de dados que quantificam as atividades fim de cada órgão. Além das inconsistências nos dados oficiais disponibilizados, o preenchimento incompleto das planilhas não permite concluir quantas famílias foram beneficiadas nem a área total demarcada pelos órgãos".
Antes mesmo de chegar ao Palácio do Planalto, o então presidenciável Jair Bolsonaro avisou que não demarcaria nem um centímetro a mais de terras indígenas ou quilombolas. Além disso, o autor da declaração “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas” - remetendo-se a um quilombo em Eldorado Paulista (SP) - defendeu o arrendamento dos territórios para exploração da mineração.
O jornalista Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, instituição que tem entre os seus comprometimentos o combate ao racismo e a preservação da cultura negra, foi alvo de inquérito por crime de racismo, assim como o presidente Bolsonaro. Em abril de 2020, Camargo se referiu ao movimento negro como “escória maldita” e ao líder quilombola Zumbi dos Palmares como “filho da puta que escravizava pretos”.
Segundo o relatório, “o discurso é colocado na prática de três principais formas: falta de transparência sobre a execução das políticas, esvaziamento institucional e redução de orçamentos aos menores índices da história recente”.
O levantamento sinaliza o que já vem acontecendo em outras áreas do governo federal, como o ministério da Saúde: informações que deveriam ser públicas e consistentes, se revelaram instáveis e inconclusivas. “A busca pelos dados relativos à certificação e demarcação de territórios quilombolas evidenciou os problemas na transparência ativa federal nessa área”, diz Marina Atoji, Gerente de Projetos da Transparência Brasil.
Os dados de certificação são disponibilizados em formato aberto no site da FCP, mas estavam desatualizados; foi necessário fazer um pedido de informação para que a autarquia atualizasse a página. Os dados de titulação de terras quilombolas foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto ao Incra, pois o órgão publica apenas apresentações em PDF defasadas.
Leia aqui o relatório na íntegra.
Quer fazer parte da batalha pela transparência pública?
Todas as republicações ou reportagens feitas a partir de dados/documentos liberados pela nossa equipe devem trazer o nome da Fiquem Sabendo no início do texto, com crédito para: “Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas”. Acesse aqui o passo a passo de como creditar nas publicações.
Este conteúdo saiu primeiro na edição #66 da newsletter da Fiquem Sabendo, a Don’t LAI to me. A newsletter é gratuita e enviada quinzenalmente, às segundas-feiras. Clique aqui e inscreva-se para receber nossas descobertas em primeira mão também.